domingo, 24 de agosto de 2008

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(Augusto dos Anjos)

É, não são os MEUS versos íntimos mas acho que possuem tanta força e tanta beleza que hoje quando lembrei-me deles não pude deixar de postar aqui. E se me perguntam onde vejo beleza em palavras tão asquerosas é porque enxergo o belo na realidade retratada, na realidade que esta aí para todos e que, de certa forma, é melhor enfrentar do que fantasiar com um perfeito mundo irreal.
Sobre o autor: Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Formado em direito, não advogou; vivia de ensinar português. Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me"), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético ("Ai! Um urubu pousou na minha sorte"). A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa"). Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais, / Viver na luz dos astros imortais").
Profundo não?
...

2 comentários:

Deftones disse...

Augusto dos Anjos é genial. Soube bem utilizar-se das palavras para dar um diagnóstico do mundo em que vivia. Até onde sei, ele não errou em uma vírgula.

Amy Winehouse, igualmente. A decadência física dela, e a glamourização que se faz em cima dela é o que menos importa. Winehouse nada pode causar de mal a alguém a não ser a ela mesma. A história dela é trágica, mas fazer o quê?, a tragédia é parte do artista. É como se fosse um braço, eu acho. Ademais, não sou lá um entusiasta de sua música, mas espero que a dita cuja permaneça mais um bom tempo entre nós...

Thu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.